A analise foi realizada por advogados indigenistas, indígenas e jornalitas da Mídia Indígenas
O ministro Gilmar Mendes votou contra a tese do marco temporal nesta segunda-feira, dia 15, primeiro dia de votação no Supremo Tribunal Federal. Embora o voto pareça favorável aos povos indígenas, ele apresenta pontos considerados inconstitucionais e que violam o artigo 231 da Constituição brasileira.
Um dos principais pontos de preocupação é a autorização para que ocupantes não indígenas permaneçam em terras tradicionalmente indígenas até que sejam indenizados. O artigo 231 reconhece que essas terras pertencem à União e que os direitos indígenas são originários, não dependendo de compensação a terceiros. Para o movimento indígena, condicionar a restituição do território à indenização de ocupantes ilegais prolonga conflitos e legitima o esbulho territorial.
Outro aspecto criticado é a ampliação da lógica de indenização. A Constituição assegura indenização apenas pelas benfeitorias realizadas de boa-fé, e não pela terra em si. O voto, ao abrir margem para interpretações mais amplas, pode incentivar novas ocupações e aumentar a especulação fundiária em áreas ainda não demarcadas.
O ministro também validou a participação de estados e municípios nos processos de demarcação. Esse ponto é considerado sensível porque a Constituição atribui à União a responsabilidade pela demarcação das terras indígenas, justamente para evitar interferências políticas locais. A inclusão de entes subnacionais pode ampliar a pressão de interesses econômicos regionais, como agronegócio, mineração e grandes empreendimentos, historicamente envolvidos em conflitos nos territórios indígenas.
O voto ainda relativiza o caráter exclusivo do usufruto indígena ao admitir exceções ao uso exclusivo das terras e de seus recursos naturais. Esse princípio é um dos pilares do artigo 231, pois garante autonomia territorial e proteção aos modos de vida indígenas. Para as comunidades, qualquer flexibilização enfraquece a segurança jurídica dos territórios.
Outro ponto apontado é a ênfase na chamada “segurança jurídica” de ocupantes não indígenas. Para organizações indígenas, essa abordagem desloca o foco da proteção constitucional dos povos originários e da reparação histórica, priorizando a estabilidade de terceiros em detrimento de direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição.
Também é destacada a ausência de centralidade do consentimento livre, prévio e informado no voto, direito assegurado aos povos indígenas tanto pela Constituição quanto por tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção 169 da OIT. A falta desse eixo reforça críticas sobre decisões que impactam territórios indígenas sem a devida escuta das comunidades afetadas.
Por fim, mesmo ao rejeitar o marco temporal, o voto mantém a lógica de exceções e condicionantes aos direitos indígenas. Para o movimento indígena, direitos reconhecidos como originários não deveriam ser relativizados, sob pena de abrir precedentes para novos retrocessos.
O julgamento segue em andamento no STF. Para os povos indígenas, o resultado final será decisivo não apenas pela rejeição do marco temporal, mas pelos parâmetros que a Corte estabelecerá para a aplicação integral do artigo 231 da Constituição e a proteção efetiva dos territórios tradicionais.