Ao acompanhar Gilmar Mendes, ministro afirma que o marco temporal viola o artigo 231 da Constituição e desconsidera a história de expulsões e violências contra os povos indígenas.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino votou pela inconstitucionalidade da regra que limita os direitos territoriais dos povos indígenas às terras ocupadas ou disputadas até a promulgação da Constituição de 1988. Ao acompanhar o relator Gilmar Mendes, Dino reafirmou que os direitos indígenas são originários e não podem ser restringidos por um recorte temporal imposto posteriormente pelo Estado.
Em seu voto, o ministro sustentou que qualquer tentativa de institucionalizar o marco temporal, seja por meio de leis ordinárias ou mesmo por propostas de emenda constitucional, viola diretamente o artigo 231 da Constituição. Para ele, a Carta de 1988 não cria direitos indígenas, mas reconhece direitos que antecedem o próprio Estado brasileiro, o que torna incompatível qualquer norma que reduza seu alcance.
“A Constituição Federal de 1988 reconhece o direito, mas não o cria; apenas o declara e garante sua proteção. Assim, qualquer tentativa de condicionar a demarcação de terras indígenas à data da promulgação da Constituição de 1988 afronta o texto constitucional e a jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal”, disse Flávio Dino, no voto sobre o julgamento do marco temporal, no STF.
Dino também destacou que a adoção do marco temporal desconsidera a história de expulsões, remoções forçadas e violências sofridas por povos indígenas ao longo de séculos. Segundo o ministro, exigir a comprovação de ocupação em 1988 ignora o papel do próprio Estado na desestruturação territorial dessas comunidades e acaba por transformar a injustiça histórica em critério jurídico.
Outro ponto central do voto é a defesa da autodeterminação dos povos indígenas. Dino afirmou que cabe às próprias comunidades decidir sobre seus modos de vida, seus territórios e suas formas de organização, sem imposições externas baseadas em visões assimilacionistas ou interesses econômicos. Nesse sentido, reforçou que políticas públicas e decisões judiciais devem respeitar a diversidade cultural e a autonomia dos povos originários.
O ministro também se posicionou contra dispositivos legais que, na prática, esvaziam decisões já consolidadas do STF sobre a matéria. Para Dino, a tentativa de reintroduzir o marco temporal por vias legislativas fragiliza a segurança jurídica e compromete a estabilidade da jurisprudência da Corte.
Apesar do alinhamento geral com a proteção dos direitos indígenas, o voto de Flávio Dino apresenta ressalvas pontuais. O ministro reconheceu a necessidade de regulamentar situações específicas relacionadas à gestão territorial e à convivência com outras políticas públicas, como as ambientais, desde que essas regulações não violem o núcleo essencial dos direitos garantidos pela Constituição. Essas observações, no entanto, não alteram seu entendimento de que o marco temporal é incompatível com a ordem constitucional.