×

STF retoma julgamento do marco temporal em sessão virtual marcada para esta sexta-feira

Organizações indígenas afirmam que análise eletrônica de ações sobre a Lei 14.701 exclui participação direta dos povos e aumenta insegurança jurídica nos territórios.

O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta sexta-feira (5) mais uma etapa do julgamento que pode definir o futuro das demarcações de terras indígenas no país. A análise da Lei 14.701/2023, que restabelece o marco temporal, ocorre no plenário virtual, apesar de pedidos de organizações indígenas para que o caso seja discutido presencialmente.

Nesta sexta, o que deve entrar em jogo é o julgamento das ações ADC 87, ADI 7582, ADI 7583 e ADI 7586 liberadas pelo relator, ministro Gilmar Mendes. A análise está prevista para acontecer até o dia 15 deste mês. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), autora da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7582, argumenta que a realização do julgamento no ambiente eletrônico exclui os povos indígenas de um debate histórico e de grande impacto social.

“Entramos no Supremo pedindo que o julgamento seja pautado no plenário físico e não no virtual, porque entendemos que uma discussão dessa magnitude, inclusive o próprio Supremo, no ano passado, elencou o julgamento do marco temporal como um dos casos emblemáticos dos últimos anos, não deve ser tratada em um plenário virtual, onde não tenhamos conhecimento da defesa de cada magistrado, da posição de cada ministro”, aponta Kleber Karipuna, coordenador executivo da articulação. 

Foto: André Guajajara

“O Supremo tem que dar as caras, tem que se colocar para o que veio e mostrar a posição de cada ministro no plenário físico, assim como também dar oportunidade para a advocacia indígena e para o movimento indígena fazerem suas manifestações presencialmente, na defesa dos nossos direitos”, complementa. 

Como funciona o julgamento virtual do STF? 

No Supremo Tribunal Federal, o julgamento virtual é um formato em que os ministros não se reúnem presencialmente. Em vez disso, cada integrante da Corte insere seu voto em uma plataforma eletrônica do tribunal, dentro de um prazo previamente definido, geralmente de alguns dias. Nesse ambiente, não há debates orais, sustentações presenciais de advogados ou intervenção direta das partes interessadas. Os votos aparecem por escrito, e o resultado é proclamado automaticamente ao fim do período.

E, por isso, a forma e o conteúdo da votação virtual reforçam um cenário de insegurança jurídica que se arrasta há décadas. A lei em debate limita o reconhecimento de territórios indígenas às áreas ocupadas ou disputadas judicialmente até 5 de outubro de 1988. Na prática, desconsidera expulsões, remoções forçadas e episódios de violência que marcaram grande parte do século XX e que se perpetuam até hoje.

Durante as negociações na Câmara de Conciliação, a qual apib não faz mais parte, o ministro Gilmar Mendes sinalizou que deve manter o entendimento já firmado pelo STF de que o marco temporal é inconstitucional. Ainda assim, sob vigência da Lei 14.701/2023, chamada por lideranças de Lei do Genocídio Indígena, a tese continuou sendo aplicada, gerando insegurança jurídica, violência em territórios e paralisação de processos de demarcação.

Kleber conta  que a aplicação dessa tese inviabiliza demarcações em curso e reabre conflitos em territórios que deveriam estar protegidos pela Constituição. “A Lei 14.701, para a gente, é uma falácia, uma inverdade. Trouxe à tona novamente o marco temporal, que a Suprema Corte já tinha derrubado. Então estamos nesse embróglio político-jurídico sobre o tema.O que a gente espera da Suprema Corte é que ponha um ponto final nessa novela, garantindo o direito constitucional e originário dos povos indígenas aos seus territórios e afastando de uma vez por todas essa insegurança jurídica que o nosso povo vive na ponta, marcada por violência e por violações dos nossos direitos”, salienta.

A sessão também acontece após semanas de forte pressão política. Segundo Kleber, representantes de entidades ligadas ao agronegócio vêm defendendo a aplicação da lei inclusive a áreas homologadas recentemente, como as terras regularizadas durante a COP30. 

“A análise que fazemos é que essa movimentação do Supremo também tem a ver com a pressão que parlamentares ruralistas, bolsonaristas, anti-indígenas fizeram agora, no começo desta semana, após as homologações e as portarias declaratórias que saíram na semana passada, durante a COP 30”, pontua.

“Eles estão tentando, a qualquer custo, sustar os efeitos tanto dos decretos de homologação como das portarias declaratórias. Estão tentando por diversos caminhos: apresentação de projeto de decreto legislativo no Congresso e, agora, por vias do Judiciário, apresentando uma notícia-crime contra o ministro Ricardo Lewandowski e contra o presidente Lula por conta das homologações que, segundo a análise deles, não teriam seguido o rito correto da Lei 14.701”, observa. 

Veja também