O evento reforça a conexão entre comunicadores indígenas no Brasil, ajusta a estratégia de cobertura da COP 30 e comemora a década de existência da Mídia Indígena.
Realizada pelo Ministério dos Povos Indígenas e pelo Coletivo Mídia Indígena, na Casa Maraká, em Belém (PA), na quinta-feira (28), o início do 1º Encontro Nacional de Comunicadores Indígenas destacou esse evento como um marco significativo, juntando mais de 100 comunicadores de 62 etnias de todos os biomas do Brasil para participarem de oficinas, palestras, debates e atividades culturais. O objetivo do encontro é reforçar a rede de comunicadores indígenas no país, harmonizar a estratégia de cobertura da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 30) e comemorar uma década da fundação do Coletivo, que é uma referência na comunicação indígena nacional.
A Mídia Indígena se tornou a primeira associação de comunicação indígena com CNPJ no Brasil. Entre novembro do ano passado e março de 2025, foi realizado um levantamento de comunicadores que colaboram com o Coletivo. No total, 1. 095 pessoas se inscreveram dentro do prazo, sendo que as regiões Norte e Nordeste foram as que mais apresentaram profissionais atuantes.
A seleção para o evento foi realizada com base nesse mapeamento. A pesquisa revelou ainda que existem diferentes graus de conhecimento tecnológico relacionado à comunicação em diversas partes do Brasil, os quais podem ser ajustados por meio de iniciativas como o próprio Encontro. Além disso, indígenas da Colômbia, Panamá, Equador e Peru também participaram do processo de inscrição.
“Isso mostra o quão grande é o alcance da comunicação indígena e o quanto ela consegue inspirar dentro dos territórios. O encontro é simbólico, porém é o primeiro de muitos. Queremos auxiliar a informar a juventude sobre questões climáticas, sobre como fazer a comunicação da COP e outras conferências internacionais”
Priscila Tapajowara, coordenadora nacional e presidenta do Coletivo, pontuou que esse Encontro é crucial para o fortalecimento dos comunicadores indígenas no Brasil.
De acordo com o vice-presidente da Mídia Indígena, Erisvan Guajajara, com o Encontro, o intuito é elaborar, em conjunto, uma comunicação que dialogue com a sociedade, interaja com os povos e organizações indígenas, e apoie o protagonismo indígena.
“Essa é a primeira casa de mídia indígena para trabalhar o protagonismo, a comunicação e dar visibilidade à história dos povos indígenas. Estamos construindo o mundo a partir de nós mesmos, ao ouvir os mais velhos, nossas lideranças, organizações e ao percorrer vários territórios desse Brasil profundo. Temos 305 povos e queremos contar a história de todos eles”
O espaço da Casa Maraká possui 120 anos. A instalação será oficialmente inaugurada em outubro e será destinada ao aprendizado sobre a cultura indígena, mas estará aberta também à população de Belém, oferecendo galeria de arte, cinema, loja criativa, shows e apresentações.
Marco significativo
Na mesa de abertura, Giovana Mandulão, secretária nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (SEART) do Ministério dos Povos Indígenas, classificou a ação como um marco para a comunicação indígena. Ela mencionou que a rede de comunicadores não é apenas um conjunto de ferramentas e plataformas, mas uma rede viva, composta por laços, relações e solidariedade, que ajuda a defender os direitos e modos de vida indígena, melhorando o acesso à informação.
“A Mídia Indígena nasceu diante da necessidade de romper com a invisibilidade e contar nossas próprias histórias. São dez anos de luta, coragem, resistência e sabedoria, ganhando cada vez mais notoriedade ao conectar experiências, fortalecer a luta dos povos indígenas e consolidar uma rede que se capilariza por todo o país. O papel [da Mídia Indígena] vai além da cobertura do cotidiano. É uma bússola que orienta nossos rumos, nossa voz. Denuncia injustiças e é força que impulsiona resultados políticos dos movimentos indígenas do Brasil”
Giovana Mandulão, secretária nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (SEART) do Ministério dos Povos Indígenas
Durante sua fala, Giovana também anunciou a extensão do período de inscrições para o prêmio Mre Gavião, que agora premiará 45 trabalhos autorais em nove categorias distintas, com um total de R$90 mil em prêmios.
A comunicação que queremos
Já Puyr Tembé, responsável pela Secretaria Estadual de Povos Indígenas do Pará (SEPI) e umas das idealizadoras da Federação dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA), enfatizou que o Encontro oferece uma chance para que as comunidades indígenas expressem o tipo de comunicação que desejam para enfrentar o momento atual, repleto de dificuldades políticas, climáticas, sociais e desinformação. Ela também ressaltou que o evento é uma excelente oportunidade para que suas vozes sejam ouvidas durante a crucial COP 30, relacionando o passado com a atualidade dos comunicadores presentes. A COP 30 ocorrerá em Belém, entre 10 e 21 de novembro.
“Juventude, com raízes em nossa antiga tradição, vocês são a continuidade da luta de nossos antepassados e transformam o silêncio que lhes foi imposto em uma voz coletiva, ao troca experiências, unir conhecimentos e fortalecer uma rede em constante crescimento, que define rumos de lutas e pressiona as autoridades. Comunicação é também território, representa mobilização e proteção, uma forma de assegurar que nenhuma violência passe desapercebida, que nenhuma liderança seja esquecida e que nenhum direito seja retirado,” encorajou a secretária.
No Pará, há aproximadamente 80 mil indígenas, segundo as estatísticas do IBGE de 2022. Existem mais de 57 grupos indígenas falando 34 línguas no Estado. O Pará, que é composto por 144 municípios, possui 57 com presença indígena em oito etno-regiões (Marabá/Tucuruí, Altamira, São Félix/Redenção, Belém/Guamá, Novo Progresso, Oriximiná, Jacareacanga/Itaituba e Baixo Tapajó), ocupando 25% do território da unidade federativa.
Guardiões da Memória
Ricardo Ykarunī Nawa, co-coordenador da Articulação Brasileira dos Indígenas Jornalistas (ABRINJOR) e especialista em indigenismo na FUNAI, explorou as raízes da comunicação indígena em sua apresentação. Embora não haja uma data específica, ele comentou que a comunicação ancestral sempre esteve presente e citou eventos significativos, como assembleias nos anos 1970, o mandato do deputado Juruna, do povo Xavante, o Programa de Índio da Rádio USP, de 1985, a Constituição de 1988 e o Acampamento Terra Livre, de 2004, entre outros.
Atualmente, a ABRINJOR conta com 65 membros, representando 45 povos, com 42 mulheres e 37 formados. A maior parte dos integrantes, 30, é oriunda do bioma amazônico. “Esse retrato atual é um esforço para nos inserirmos no universo da comunicação. Se entendermos que a comunicação é ampla e abrange diversos grupos, precisamos nos posicionar, assim como em relação aos nossos marcos. ”
Daiara Tukano, artista visual com uma pós-graduação voltada para o direito à memória e à verdade dos povos indígenas e conselheira no Ministério da Cultura, afirmou que com o surgimento das mídias sociais, surgiu uma nova geração cada vez mais empoderada pelas tecnologias, linguagens e pelo acesso às universidades.
“É muito gratificante observar o crescimento de uma nova geração de jornalistas, fotógrafos, cineastas e radialistas indígenas de todos os territórios se reunindo para compartilhar ideias. Isso faz parte de uma trajetória intergeracional onde a memória continua a se entrelaçar com uma das características fundamentais dos indígenas, que é ser guardião da memória, sabendo preservá-la enquanto mantém o foco em inovação e criatividade para continuar abrindo caminhos para conquistas coletivas. ”